Ayrton Senna da Silva, um dos maiores pilotos de Fórmula 1 da história, nasceu em São Paulo em 21 de março de 1960 e faleceu em 1 de maio de 1994, em um trágico acidente em Ímola, na Itália. Passados quase 30 anos de sua morte, continua sendo um dos brasileiros mais respeitados no mundo do automobilismo. E fora dele também. E há Motivos para admirar Ayrton Senna.
Tricampeão mundial de Fórmula 1, Ayrton Senna foi o terceiro de uma “linhagem” de grandes campeões de Fórmula 1 que o Brasil teve. Antes dele, Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet foram, respectivamente, bicampeão e tricampeão mundiais na categoria mais nobre do automobilismo. Mas, sem entrar na polêmica de qual dos três foi melhor piloto, Ayrton Senna foi simplesmente diferenciado.
Seria fácil falar que uma morte no auge da carreira eterniza celebridades, como aconteceu com alguns artistas. Mas muito antes disso, Ayrton Senna já era uma personalidade que havia ultrapassado os limites dos fãs de seu esporte, ou mesmo de toda a atenção que se dá dentro do Brasil aos brasileiros que alcançam reconhecimento mundial.
Senna atingiu um status quase lendário que, dentro do Brasil, só foi superado por Pelé, que perdemos recentemente, mas a prova do quanto ele foi diferenciado é que ele era respeitado no mundo inteiro. Ele tem até hoje uma grande legião de fãs em vários países, especialmente no Japão, e ídolos atuais da Fórmula 1, como o inglês Lewis Hamilton, já declararam publicamente serem grandes admiradores de Ayrton Senna.
Ayrton Senna era considerado um gênio no que fazia, um daqueles profissionais que conseguem se destacar, se diferenciar, e conquistar o respeito de todos mesmo quando estão cercados dos melhores, trabalhando ao lado deles ou concorrendo contra eles. No caso da Fórmula 1, todos os pilotos que eram seus adversários pelo lugar mais alto do pódio.
Mas vamos falar dos principais motivos para admirar Ayrton Senna.
Ayrton Senna teria sido um grande executivo, se não fosse piloto.
Sempre defendi que o esporte é um grande fator de formação educacional, que a prática esportiva desenvolve habilidades como resiliência, liderança, perseverança e espírito de equipe, entre outros. E que essas soft skills são muito valiosas para a carreira de um executivo.
Mas o raciocínio inverso também é válido nesse caso. Dotado de um talento raro, Ayrton Senna fez sua carreira nas pistas de automobilismo. Mas ele tinha características que fariam com que ele provavelmente fosse bem-sucedido como empresário ou executivo, se tivesse seguido esse caminho.
Ayrton Senna era capaz de inspirar as pessoas
Piloto incrivelmente habilidoso e arrojado, Ayrton Senna, executava manobras difíceis e arriscadas com perfeição, levando os fãs de automobilismo à loucura, e era sempre um dos favoritos ao topo do pódio, sendo tricampeão vencendo rivais de alto nível, como o francês Alain Prost e o inglês Nigel Mansell.
Mas a influência de Ayrton Senna ia além das pistas. Em uma época conturbada do país, em que o Brasil parecia condenado a dar errado na economia, com uma moeda instável e uma inflação inacreditável para os padrões atuais, nos esportes, em que a seleção brasileira de futebol não conquistava um mundial desde 1970 e um medalhista de ouro em olimpíadas era relativamente raro, Ayrton Senna era o Brasil que dava certo.
Sendo um brasileiro campeão em uma categoria tão competitiva, Ayrton Senna era capaz de inspirar as pessoas à sua volta, e até quem jamais havia estado pessoalmente com ele. As pessoas queriam ser como ele.
Ayrton Senna era perfeccionista e exigente ao extremo
Ayrton Senna era perfeccionista e exigente ao extremo. Com tudo. Conhecia muito bem o que era preciso para ser campeão de Fórmula 1, e conseguia isso. Tinha os melhores pneus, os melhores motores e os melhores ajustes no carro, proporcionados por uma equipe de engenheiros e mecânicos de primeira linha.
Lidar com alguém tão perfeccionista e exigente não tornava nada fácil a vida desses mecânicos, engenheiros, e até dos donos das equipes de Fórmula 1. Mas a fama de “chato” que alguns atribuíam a Ayrton Senna talvez venha do ponto de vista da nossa cultura, que se tem como ponto a favor uma capacidade de improvisação reconhecida no mundo inteiro, pelo outro, muitas vezes peca pela falta de rigor na busca por resultados.
Mas é preciso entender em que um contexto em que uma diferença de poucos segundos significa a primeira, ou a décima posição, não há outra maneira de ser campeão além de trabalho duro e atenção a todos os detalhes. O talento e a sorte só são capazes de levar-nos até certo ponto, que exige esforço e dedicação para ser ultrapassado.
Senna é um ídolo no Japão até hoje.
Era fácil entender a razão de Senna ser um ídolo no Brasil. Mas por que razão ele também era “o cara” no Japão? O que um país que sempre foi uma potência cultural, econômica e esportiva, e que foi capaz de se recuperar de guerras, bombas atômicas, terremotos e tsunamis, viu no piloto brasileiro?
Não há dúvida que pilotar o carro da McLaren, equipado com os motores Honda, em 1988, logo após o Japão voltar a ter o seu GP de Fórmula 1, ajudava bastante. Mas havia mais do que isso. Ayrton Senna tinha características de personalidade com as quais o povo japonês imediatamente se identificou: a busca pela perfeição e a superação das adversidades. Em outras palavras, Senna tinha um lado judoca, um lado samurai e até um, digamos, “ninja”.
Ayrton Senna foi um judoca das pistas de Fórmula 1
Em entrevista relembrado o piloto brasileiro, o jornalista esportivo japonês Massahiro Owari comparou o tricampeão mundial a um lutador de Judô, por esse ser um esporte em que o mais fraco pode vencer o mais forte.
Mas a relação de Ayrton Senna com a filosofia do Judô, é um pouco mais sutil. Quem conhece esse esporte, sabe que não se forma um judoca campeão somente identificando aqueles que têm talento ou força. Sua habilidade é aprimorada através de centenas de “uchikomis” – repetição de técnicas – praticados todos os dias. Senna tinha a mesma insistência em busca da perfeição.
Senna tinha espírito samurai
Como já falamos, Ayrton Senna era exigente e perfeccionista a ponto de algumas pessoas dizerem que não era fácil trabalhar com ele. Mas o que ele exigia de sua equipe não era menos do que ele exigia de si próprio. Mesmo não sendo fisicamente forte, pesando apenas 70kg, com 1,76 m de altura, se preparava para fazer a melhor corrida que seu corpo permitisse. E se fosse necessário, ia além dos seus próprios limites.
Na próxima vez em que for assistir a uma competição com a presença de atletas japoneses, repare em uma característica que eles têm. A tenacidade. Mesmo quando são superados técnica e fisicamente, lutam até o fim. Essa determinação, essa força mental, são características típicas da cultura japonesa, do espírito samurai, que Ayrton Senna tinha e aumentou ainda mais a identificação que os japoneses tinham e tem com ele.
Um exemplo foi o antológico Grande Prêmio do Brasil de 1991, quando Senna perdeu a terceira e quinta marchas, e depois a quarta, tendo que fazer um imenso esforço físico para se manter na pista e ainda vencer a prova. O desgaste foi tanto que ao final da corrida, ele não conseguia se levantar, tendo de ser ajudado para sair do cockpit.
Ayrton Senna lidou com polêmicas
Mesmo com todas essas características positivas, Ayrton Senna tinha o seu lado humano, e muitas vezes foi alvo de polêmicas. Alguns colegas pilotos se queixavam de seu estilo arrojado, que algumas vezes poderia ser chamado de uma pilotagem agressiva. E que ele era um negociador muito duro, que em seus contratos com as equipes teria vetado a entrada de segundos pilotos que ele eventualmente identificasse como rivais em potencial.
Algumas fontes afirmam que Senna teria vetado o inglês Derrick Warwick na Lotus, em 1986. E que por sua vez, Senna teria sido vetado na Willians em 1993, por seu grande rival na carreira, Alain Prost.
Por conta de manobras mais agressivas em treinos e provas, Senna teria sido esmurrado pelo italiano Elio de Angelis e pelo inglês Nigel Mansel. E pela mesma razão, teria pego pelo colarinho o então estreante Michael Schumacher, e acertado um murro no irlandês Eddie Irvine.
Obviamente, essas são atitudes reprováveis, e se estivéssemos falando de um ambiente corporativo, totalmente inaceitáveis. Mas, analisando por outro prisma, talvez devamos reconhecer que a F-1 talvez fosse um ambiente que, se, por um lado, o controle emocional dos profissionais dentro da pista precisava ser total, fora dela as emoções tomavam conta além do que seria aceitável ou saudável. E os egos e rivalidades de todos os envolvidos não ajudavam.
Sem passar pano, ou apelar para qualquer tipo de justificativa, Ayrton Senna agia de acordo com o contexto em que estava. Com o seu ambiente de negócios. A maneira como começou , e terminou, sua famosa rivalidade com Alain Prost mostra isso.
Senna x Prost: Rivalidade histórica com acidentes “ninja”.
Ayrton Senna e Alain Prost protagonizaram uma das maiores rivalidades da história da Fórmula 1, que teve seus pontos de maior tensão no Grande Prêmio do Japão, nos anos de 1989 e 1990.
Ayrton Senna x Alain Prost – Japão, 1989.
Em 1989, no Grande Prêmio do Japão, Alain Prost bateu em Ayrton Senna e ambos foram parar na caixa de brita. Se Senna não vencesse aquela prova, estaria garantido o terceiro título mundial ao francês. Prost abandonou a corrida. Mas Senna conseguiu que os fiscais de prova empurrassem seu carro até os boxes, para que trocassem o bico e ele voltasse à disputa. Não só voltou, como chegou em primeiro, se mantendo na briga pelo título.
Senna Ganhou, mas não levou. A maneira como voltou aos boxes foi considerada ilegal pela FIA – Federação Internacional de Automobilismo, que desclassificou o brasileiro, garantindo o título daquele ano a Alain Prost.
Ayrton Senna x Jean Marie Balestre
A FIA – Federação Internacional de Automobilismo, era então presidida por Jean Marie Balestre, francês como Prost, o que gerou suspeitas e acusações diretas de que o dirigente estaria favorecendo o compatriota. Senna não e conformou, comprando uma briga com Balestre que quase custou ao brasileiro sua carreira na F-1. O dirigente francês não aliviava para os desafetos, e o assunto até hoje é motivo de polêmica.
Ayrton Senna dá o troco em Alain Prost – Japão, 1990.
Foi por uma ironia do destino que no mesmo circuito de Suzuka, no ano seguinte, Ayrton Senna e Alain Prost se encontrassem numa situação muito semelhante à do ano anterior. O brasileiro havia feito uma temporada brilhante, e bastaria o francês não pontuar, que Senna seria o campeão daquele ano.
Senna era o primeiro do grid e Prost o segundo. Logo na largada, o francês ultrapassou Senna, que reagiu tentando a ultrapassagem na primeira curva. A manobra de Senna causou uma batida que tirou os dois da prova, garantindo ao brasileiro o bicampeonato mundial. Com uma sinceridade dilacerante, Senna admitiu que foi tudo proposital, o que gerou muitas críticas. Inclusive no Brasil.
Curiosamente, no Japão, onde tudo ocorreu, e que tem uma cultura de respeito absoluto às regras e à hierarquia, havia a percepção de que Senna era um Davi em uma luta contra Golias, tendo de enfrentar Alain Prost na pista e Balestre nos bastidores.
Mas ao invés de reclamar, se queixar por estar em um ambiente que não o favorecia, e desistir, o brasileiro respondia com perseverança e vitórias. Isso aumentava ainda mais o seu prestígio com o público japonês.
A reconciliação entre Senna e Prost
Uma das coisas que a vida ensina é que é preciso separar pessoas de situações. E que guardar rancores não faz bem a ninguém. E assim aconteceu a reconciliação entre Senna e Prost, que haviam sido amigos e companheiros de equipe na McLaren, até a situação azedar e eles se tornarem rivais ferrenhos.
Em 1993, Senna foi vice-campeão mundial de Fórmula 1. Venceu a última prova de sua carreira em Adelaide, na Austrália quando aproveitou para cumprimentar Alain Prost, que conquistara o seu tetracampeonato, reatando a amizade entre eles.
Ayrton Senna morreria alguns meses depois, em 1 de maio de 1994, aos 34 anos, em um trágico acidente na infame curva Tamborello, no autódromo de Imola, na Itália. Prost, já aposentado, veio ao Brasil para o seu enterro, e foi um dos que carregou seu caixão, mostrando não somente carinho por um novo (velho) amigo, mas respeito por seu maior rival. Alain Prost também tinha motivos para admirar Ayrton Senna.