O desenvolvimento econômico e social passa por seguirmos regras de civilidade

O desenvolvimento econômico e social passa por seguirmos regras de civilidade

O brasileiro é um dos povos mais alegres e simpáticos do mundo. Ou, pelo menos, acreditamos que somos vistos assim. Mas há momentos em que acredito que nós mesmos confundimos nosso jeito informal com simpatia e calor humano. E não percebemos o quanto a falta de se seguir regras de civilidade, por mínimas que sejam, atrasa o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Em um outro artigo, falei como aproveitei um passeio ao shopping center com minhas duas princesas, minhas filhas, para ensinar noções de educação financeira a elas. O mesmo passeio foi uma oportunidade para ensinar o quanto a vida de todos seria mais fácil se todos seguissem regras de civilidade. E como todos nós perdemos quando não o fazemos. O próprio desenvolvimento econômico e social do Brasil é prejudicado por isso.

Como um executivo do mercado financeiro, já passei diversas vezes pela situação de explicar a colegas estrangeiros sobre as vantagens de investir no Brasil, como a pujança do nosso PIB e o tamanho do nosso mercado, de mais de 215 milhões de habitantes, além de ser um país com muito a se fazer, que oferece muitas oportunidades.

Nessas situações, percebi também nessas pessoas um certo temor, por não entenderem direito como o Brasil funciona, o que inclui uma falta de regras claras e previsíveis, que todos seguem, para o bem comum.

Os especialistas no assunto, advogados e economistas, chamam de insegurança jurídica. Eu iria mais longe. Acho que a origem disso é a própria falta de nos sentirmos obrigados a seguir regras básicas de civilidade, por mínimas que sejam, para que todos nós saiam ganhando.

 

O modo como tratamos outras pessoas mostra quem somos.

Um passeio no shopping center me deu a oportunidade de ensinar às minhas filhas, na prática, como todos viveríamos melhor se seguíssemos regras básicas de convívio social. Acredito que elas já têm uma boa base de valores, vinda da minha família e da família da mãe, adicionada ao aprendizado na escola que frequentam.

Porém nunca é demais reforçar com casos reais, especialmente quando nós mesmos passamos por eles.

No caso,  uma fratura na canela da minha princesa mais nova, que a obrigou a se deslocar em uma cadeira de rodas por alguns dias, foi a fonte desse precioso aprendizado.

 

O problema sociocultural brasileiro está na forma com que as pessoas tratam umas às outras

Me deslocar com uma de minhas filhas tendo de usar uma cadeira de rodas me mostrou muito sobre o nosso problema sociocultural, de como as pessoas tratam umas às outras, no que deveriam ser regras básicas de convívio social.

 

Primeiro desafio do dia: embarcar e desembarcar com uma cadeira de rodas

O primeiro desafio do dia foi desembarcar com a cadeira de rodas em frente a casa dos meus pais, onde , devido a uma obra na casa vizinha, que já dura vários meses, o lamaçal nos obrigou a fazer algumas “manobras de circo”.

Pela magnitude do custo desta obra, o proprietário seguramente não se importa com as duas multas já recebidas pela prefeitura.  Ou com a segurança de pessoas com dificuldade de locomoção, principalmente idosos.

 

Segundo desafio do dia: conseguir entrar no elevador de um shopping center com uma cadeira de rodas

O segundo desafio do dia foi conseguir subir e descer de um andar para outroem um shopping na região dos Jardins, em São Paulo, que tem elevadores pequenos, e neste dia, apenas um funcionava.

Logo na entrada um rapaz, que chegou depois de nós apertarmos o botão do elevador, entrou na nossa frente e não se preocupou em segurar a porta, que quase fechou em cima da perna machucada da minha filha.

Por outras duas vezes, ficamos um bom tempo esperando o elevador, que vinha lotado e ninguém se habilitava a sair cedendo o lugar a quem, por lei, e até pela mais elementar regra de civilidade, deveria ter a preferência em utilizar o serviço, de acordo com o aviso que ocupava quase todo o espaço da porta do elevador.

Em conversa com um cadeirante, que estava na mesma situação, esperando pacientemente uma chance de fazer algo que deveria ser tão trivial quanto pegar um elevador, ouvimos diversas histórias de como é desafiador ser um portador de deficiência física no Brasil.

Refleti sobre como o respeito, ou a falta dele, a regras de civilidade, por mínimas que sejam diz sobre nós. E como isso prejudica o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Além, é claro, de parecer, na falta de outra palavra, assustador para quem nos observa de fora.

 

O que aconteceria com Stephen Hawking se tivesse visitado o Brasil?

Existem muitas pessoas com deficiências físicas no Brasil que são muito competentes naquilo que fazem.

Mas, para não correr o risco de ser injusto, e citar uma, e não outra, vou apelar ao exemplo de Stephen Hawking, o célebre físico britânico falecido em 2018, que por ser vítima de uma doença chamada Esclerose Lateral Amiotrófica – ELA, passou boa parte de sua vida em uma cadeira de rodas.

A limitação física não afetou a produção científica e acadêmica de Stephen Hawking. Muito pelo contrário. Alguns dizem que ele era o físico teórico mais brilhante desde Albert Einstein. E, da mesma maneira que o autor da Teoria da Relatividade, o britânico se tornou uma celebridade que ultrapassou os limites do seu ramo de atividade.

Hawking se tornou uma figura da cultura pop, interpretando a si mesmo em séries como The Big Bang Theory, no episódio  The Hawking Excitation, e várias vezes em Os Simpsons, como quando salva Lisa de um grupo de pessoas de QI alto que querem dominar Springfield. Sua biografia chegou às telas no filme, A Teoria de Tudo, de 2014, que vale a pena assistir.

 

Conclusão

Você deve estar se perguntando onde quero chegar falando da educação das minhas filhas, das dificuldades de um passeio no shopping center usando uma cadeira de rodas, que deficientes físicos passam todos os dias, e chegando a Stephen Hawking.

Na introdução desse artigo, falamos que o brasileiro é um dos povos mais alegres e simpáticos do mundo. Ou, pelo menos, acreditamos que somos vistos assim.

Talvez acreditemos porque, se Stephen Hawking tivesse visitado o Brasil – até onde eu sei, não visitou – não teria passado por essas situações, porque o teriam levado para lugares onde as calçadas seriam limpas e lisas, e os elevadores, desimpedidos, com todos cedendo o lugar para uma celebridade mundialmente conhecida.

Mas, no dia a dia, para os muitos brasileiros com deficiência, que não são Stephen Hawking, sabemos que não é assim. E, enquanto não aprendermos a seguir regras mínimas de civilidade, nosso desenvolvimento econômico e social vai demorar.

E, se para a nossa geração, talvez seja difícil mudar hábitos ruins tão arraigados, sempre podemos ter esperança na geração dos nossos filhos. Eu, especificamente, nas minhas duas princesas.

E se pudesse sintetizar o que tento ensinar a elas em uma única frase, seria : Não me impressiono com dinheiro, posição ou título, mas com a forma com que as pessoas tratam umas às outras.