A BALANÇA DA VIDA
Quando a ideia de escrever esse texto surgiu, eu me encontrava em um momento bastante desafiador: Havia aceitado a promoção ao cargo de CEO para a América Latina de uma empresa canadense de serviços de tecnologia para o mercado financeiro, em plena expansão. Ao mesmo tempo, os negócios nos ramos de Agronegócio, Real Estate e Financiamento, onde participo como conselheiro estavam igualmente, em momentos de transformação e crescimento.
Tempo era como sempre, um recurso escasso. Mas eu não poderia deixar de participar desta obra, como forma de reconhecimento a uma empresa que foi um marco na minha vida profissional e, principalmente, pela oportunidade de contribuir na formação de outras pessoas.
Mas foi justamente a minha realidade profissional, aliada a outros fatores, que criou mais um desafio na minha vida, no que se refere ao gerenciamento do tempo em busca por equilíbrio, que inspirou o conteúdo desse capítulo.
A experiência que adquiri durante minha passagem de quase 7 anos na Reuters, foi a chave para enfrentar muitos desafios.
A Reuters, sob a liderança de Ricardo Diniz[1], foi seguramente uma escola de vida para mim, no âmbito profissional e pessoal. E por fazer parte da história dessa empresa, e pelo que aprendi, não poderia deixar de incluir aqueles anos de trabalho como tendo muito peso no entendimento sobre a balança da minha vida.
O Equilíbrio da Balança
A experiência mostrou-me que o maior desafio de um executivo ou empresário, para ser bem-sucedido, é conseguir o balanceamento perfeito entre Família, Trabalho e Saúde Física e Mental, que para mim, são os “Fundamentos” da vida.
É uma ilusão achar que sempre conseguiremos controlar todos esses aspectos. Mesmo assim, essa busca faz parte da nossa natureza. Por isso, quando sentimos que qualquer uma dessas partes da vida tem um peso tão grande que não podemos segurar, ou tão pequeno, que é como se não houvesse nada lá, temos uma sensação de perda de controle, que só parece aumentar.
O controle total de todos os aspectos da nossa existência é uma utopia. Sempre estaremos expostos ao inesperado, e a vida sempre nos traz surpresas. Algumas agradáveis, outras nem tanto. Mas é a busca por ele (controle) que nos possibilita o necessário equilíbrio na balança da vida, E é sobre isso que vamos refletir.
Fundamentos da Vida
Os fundamentos da minha vida são calcados em um tripé, formado pela minha família, experiências profissionais e hobbies (que são os esportes), que contribuem para a minha saúde física e mental.
Família
A convivência com a família no começo da vida é uma das coisas que têm mais peso e relevância na formação da personalidade de qualquer pessoa. Na minha formação holística, em contato com meus avós, pais, irmãos e parentes próximos, ouvia falar de medicina, finanças, fazenda e comércio, além de compromisso social, literatura e linguística, criando uma visão geral do mundo bem diversa. Sempre tive muita curiosidade em conhecer a história da família nos âmbitos social, psicológico e econômico.
Meu bisavô paterno veio da Síria, no porão de um navio, fugindo por conta das diferenças religiosas entre a minoria de cristãos protestantes e a maioria de muçulmanos que dominava a região de Antióquia. Minha avó veio meses depois, trazendo os filhos. Migraram de cidade em cidade, abrindo negócios. Alguns de sucesso, outros nem tanto.
Meu avô deu continuidade à atividade do comércio, mas, em 1956, partiu para Mato Grosso, a fim de trabalhar como corretor e desbravador da região de Novo Horizonte do Norte e de Juara, enquanto minha avó se manteve na administração das lojas e cuidando dos sete filhos.
O interessante na história do meu avô é que, mesmo ele tendo vivido essencialmente de comércio, e sempre tenha buscado novos desafios, incentivou os filhos a fazerem faculdade e se transformarem em profissionais liberais. Analisando o resultado econômico, meu avô, como comerciante e com uma formação básica de escriturário, conseguiu acumular um patrimônio muito maior do que os filhos com faculdade e carreiras de sucesso, inclusive em âmbito internacional.
Meus bisavós e avós maternos, vieram do Líbano, tiveram experiências com indústria e agricultura, e passaram por altos e baixos devido à instabilidade econômica do país. A família de minha bisavó chegou a estar entre as mais influentes do Brasil, mas perderam tudo na crise de 1929, e tiveram de recomeçar a vida, dando aulas de inglês. Apesar da brusca queda de padrão, ou talvez pela inspiração trazida por ter que atravessar aquela tempestade, eles desenvolveram um sólido relacionamento de fraternidade. A convivência com esta realidade foi fundamental para o sentimento que tenho de amor e respeito à família. Não encontrei até hoje pessoas que prezam tanto os parentes como minha mãe, tias e tios.
Meu pai é médico oftalmologista e se dedicou à clínica e à carreira universitária. O lado humano, e o dever de médico e de professor sempre foram muito marcantes na sua trajetória profissional, dedicada à vida acadêmica e à sociedade. O dinheiro sempre foi secundário, consequência de um trabalho realizado com a dedicação de um sacerdócio.
Ele foi professor titular emérito da USP e UNICAMP, atuando por alguns anos nas duas ao mesmo tempo. Orientou mais de 50 teses de pós-graduação e formou mais de 1000 residentes de Oftalmologia. Algo que ele tem em comum com minha mãe, mestre em Linguística e professora de inglês, que há anos vem orientando alunos nas mais diversas áreas de atuação, ajudando-os a utilizar o conhecimento de uma língua estrangeira para crescer como pessoas e profissionais.
Meu pai criou varios projetos sociais de abrangência nacional e internacional. O primeiro foi o Projeto Catarata, em que meu pai e os residentes visitavam pessoas de baixo poder aquisitivo em cidades próximas a Campinas, fazendo exames de vista e operando gratuitamente os que precisavam de cirurgia de catarata. O outro projeto foi o Olho no Olho, de âmbito internacional, realizado pela UNICAMP e considerado o maior projeto oftalmológico do Brasil em número de atendimentos de crianças em idade escolar.
Meus irmãos e eu participamos em vários desses projetos. No meu caso, por não ser médico, eu ficava como organizador das filas e papelada. Considero um privilégio ter conhecido uma realidade diferente da minha, e um motivo de orgulho ter participado de esforços para ajudar a melhorar a saúde pública e a educação do Brasil.
A participação nesses projetos, e a possibilidade de vivenciar a atividade profissional do meu pai, me ajudaram na compreensão da falta dele nos meus campeonatos de judô e futebol, durante a minha infância e adolescência, função exercida assiduamente por minha mãe, que sempre me apoiou nos esportes.
O trabalho humanitário, as conversas com meus avós, pais e tios sobre os negócios e as experiências do passado, enfim, o relacionamento com minha família, serviu para eu criar uma visão generalista da vida. Trago comigo portanto, conceitos fortes, assimilados através da convivência e das conversas com a família, como: manter a família unida, cuidar do próximo, ensinar e formar pessoas, aprendendo com elas, não deixar de ter capital de giro e ter mais de uma fonte de renda, e máximas como ganha bem quem gasta menos do que recebe, dentre outros. Nossa vida é um constante aprendizado.
Saúde Física e Mental
A maneira que encontrei para manter a saúde física e mental foi através dos meus hobbies. Os esportes que contribuíram para a minha saúde, e me prepararam para a vida, foram o Judô e outros esportes de luta como, Jiu-Jitsu, Boxe e Kickboxing, além do surfe, futebol, golfe, tênis, squash, triátlon, corridas de obstáculos e snowboard.
Através destas atividades, aprendi a lidar com a ansiedade, e ter autonomia, persistência, resiliência, respeito, cooperação, liderança, humildade e a valorizar as pequenas conquistas. Acredito que os desafios que encontramos na prática de esportes são metáforas dos que encontramos na vida.
Uma das coisas que aprendi com os esportes, e que faço questão de enraizar em minhas filhas, é que se você quiser ter sorte na vida, treine muito! Quanto mais treinar, mais terá “sorte”. |
Outra coisa que aprendi foi sobre o trabalho em equipe. Ele torna possível cumprir missões aparentemente impossíveis. Faz do improvável, realidade. Mas, para isso, a equipe tem que realmente agir como tal, em sintonia. Se um plano for definido pelo treinador, ou pelo grupo, cada membro terá que se preparar para executar a sua parte da melhor forma possível, independentemente se sua opinião for a favor ou contra.
Se uma ‘peça’ da equipe não cumprir o seu papel, ou não performar de maneira esperada, o resultado de todos será afetado. O livro “The Last Link”[2], do especialista em negócios Gregg Crawford, que ganhamos da Reuters durante um offsite, mostra como estratégias bem montadas pelos executivos podem ter seus resultados comprometidos se não houver o entendimento e compromisso de todos os envolvidos, desde os que elaboram até os que executam.
Vou comentar sobre dois dos esportes que mais contribuíram para a minha formação de vida, Judô e o Surfe.
Judô
O Judô, que comecei com 8 anos de idade, e no qual me desenvolvi por 25 anos, chegando à faixa preta, me ensinou cortesia, coragem, honestidade, honra, modéstia, respeito, autocontrole e amizade, além de trabalho em equipe, liderança e estratégia. Mesmo não tendo um mestre de origem oriental, os fundamentos do esporte sempre foram muito respeitados e cobrados pelo sensei Eduardo Murta, um segundo pai para mim. E, posteriormente, pelo sensei Ricardo Katchborian, muito importante para o meu aprimoramento após minha graduação à faixa preta.
Em uma luta de Judô é muito importante manter o foco o tempo inteiro. Não interessa quem está ganhando até um determinado momento, se um golpe perfeito, ou uma imobilização por 20 segundos são aplicados, pode-se vencer, ou perder, do primeiro ao último segundo do combate.
O Judô também é uma questão de atitude perante os desafios. Quando se está fugindo da luta, não se abrindo para tentar projetar seu oponente, o que também dá a ele a chance de contra-atacar, porque é da natureza do combate, você é punido. E, mantendo a postura, acaba eliminado.
Quem busca a vitória não pode ter uma atitude passiva, com medo da derrota. No mundo dos negócios arriscar-se, sendo proativo, permite a abertura de oportunidades em busca de novas metas e objetivos. |
Finalmente, para ser bem-sucedido neste esporte, assim como na vida, você precisa aprender a cair. E quando for derrubado, se levantar com a motivação suficiente para virar o jogo e vencer. O mesmo combate que não permite que você relaxe e se descuide quando está vencendo, ensina a buscar a vitória enquanto o cronômetro não zerar.
Muitos acreditam ser o Judô um esporte individual, mas em muitos aspectos, é um esporte coletivo. Ninguém se desenvolve no Judô sem ter espírito de equipe, se não estiver disposto a ajudar e ser ajudado. Ensinar e aprender. Mesmo o mais talentoso judoca sempre vai precisar de parceiros de treinos de diferentes níveis técnicos e estilos de luta. Não somente para treinar, mas para apoiar e incentivar durante as competições. O judoca compete por um time (academia ou clube), que é reconhecido pela qualidade e resultado de seus atletas nas competições.
Na academia onde treinava, o espírito do trabalho em equipe, liderança, solidariedade e estratégia eram desenvolvidas através de um exercício recreativo realizado mensalmente: a famosa, e muito esperada, “Samambaia”, disputada por 2 times que chegavam a ter mais de 15 judocas de cada lado, e vencia a equipe que eliminasse todos os atletas do time adversário, com técnicas de ne-waza (luta no solo), que consistia em imobilizações, estrangulamentos e torções.
Era um jogo 100% de equipe, porque após vencer seu primeiro adversário, um atleta poderia ajudar seu colega que estava ainda enfrentando uma luta mais equilibrada. E assim, sucessivamente, ir eliminando um a um os adversários, até poder atacar em número grande o suficiente o oponente mais difícil da equipe adversária, que geralmente era um judoca mais forte e habilidoso no ne-waza, que dificilmente seria derrotado em uma disputa individual.
Embora fosse uma disputa recreativa, a “Samambaia” no fundo, era uma disputa de estratégia, com necessidade de tomada de decisões rápidas. Uma tática muito utilizada era que o atleta com maior eficiência na luta no solo, buscasse logo no começo não o oponente mais duro, e sim os menos experientes, pois desta forma ele poderia finalizar mais rapidamente e ajudar os colegas de time.
Esta estratégia é semelhante a um dos ensinamentos centenários de Sun Tzu, no livro A Arte da Guerra[3]: “Diante de uma larga frente de batalha, procure o ponto mais fraco e, ali, ataque com a sua maior força” |
Os atletas menos experientes, por sua vez, deveriam se preparar para enfrentar os oponentes mais habilidosos, não com o objetivo de travar um combate individual em que teriam poucas chances de vitória, mas sim de segurar seus oponentes, ganhando tempo até que um de seus colegas conseguisse eliminar o primeiro adversário e viesse ajudá-lo.
Neste jogo de combate, o time que perdesse o primeiro atleta começava a entrar em uma grande desvantagem, difícil de reverter. Por isso, fazia-se necessário uma boa estratégia e para isto o lider da equipe, juntamente com atletas que foram escolhidos por ele, precisavam conhecer a si próprios e seus adversários para saber delegar funções adequadas ao time, e o que esperar de qualquer situação durante o confronto.
Sun Tzu também expressa esta necessidade de conhecimento em seu livro:
O general que não conhece o seu exército e nem o exército inimigo perde todas as batalhas, aquele que conhece apenas o seu exército ou só o do inimigo perde metade das batalhas e o que conhece os dois exércitos não perde nenhuma batalha. Quando sabe que está em desvantagem, muda a estratégia ou evita o confronto. |
Em uma brincadeira que parecia um mero relaxamento após um período de treinos mais puxados, adquiríamos não somente noções da importância de cumprir o seu papel para que todo o grupo se beneficie, como o uso mais eficiente dos recursos disponíveis. Na “Samambaia” aprendíamos que mesmo um elo teoricamente mais fraco poderia cumprir o seu papel, fazendo parte de uma corrente forte.
O progresso de um judoca se dá com muito treino e apoio da equipe. Essa simbiose ocorre nos treinos, nos exames para troca de faixa e em dicas durante ou entre as lutas de campeonato. Inúmeras vezes fui treinar em academias “concorrentes” e fui tratado com um respeito acima do esperado. Uma atitude que sempre fiz questão de honrar quando recebíamos atletas de outras academias.
Durante a época em que estive lutando na categoria leve, meu principal adversário nos campeonatos era Willian de Oliveira, um atleta do Clube São João em Atibaia, onde o sensei Eduardo Murta também dava aulas. William tornou-se um grande amigo; treinávamos juntos e dávamos apoio e dicas um ao outro durante os campeonatos, mesmo sabendo que apenas um de nós seria campeão. Receber este apoio de atletas que são seus rivais nas competições é algo inimaginável na maioria dos esportes, assim como na vida corporativa.
Essa peculiaridade do Judô me faz lembrar uma passagem de 2007, quando estava na Reuters. Estava sentado em minha mesa e Rajiv Sainani[4], na época, diretor de plataformas transacionais, me chamou de última hora para uma reunião com um possível parceiro. Entramos juntos na sala de reuniões e lá estava sentado Luís Gustavo Penteado, mais conhecido como LG, que na época trabalhava em uma empresa de software. Aquela reunião inesperada, que participei de última hora, foi a origem de uma parceria estratégica de sucesso. A empresa de software que o LG representava, até então, não atuava no segmento financeiro e pude contribuir com meu networking neste mercado para abrir portas para o seu software de algoritmic trading conectado nos dados em tempo real da Reuters.
Passamos a abordar clientes e prospects em conjunto, e organizamos diversos eventos para o mercado. Nossa parceria durou um pouco mais de um ano, até o momento em que a Reuters comprou uma empresa concorrente da Progress, fazendo com que nos tornássemos concorrentes de um dia para o outro. Porém, nossa relação de ética e cooperação, em especial com o LG se manteve.
Assim como acontecia no Judô, estar próximo ao LG, mesmo na fase de concorrência, me ajudou no desenvolvimento de novos negócios. Nunca chegamos a trabalhar na mesma empresa, porém sempre cultivamos as trocas de conhecimentos e opiniões, e até hoje mantemos algum tipo de parceria comercial.
Foi no Judô que aprendi que o desempenho do líder é fundamental para o resultado da equipe, se ele não tiver a confiança da equipe e/ou não der o exemplo, a equipe não alcançará o incentivo máximo de sua capacidade. |
Tive a oportunidade de ser o capitão da equipe de Judô da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) durante 4 edições das Economíadas, evento esportivo a qual as faculdades de administração e economia disputavam diversas modalidades de esporte. A modalidade Judô era disputada por equipes de até 7 competidores, onde 5 atletas de uma equipe enfrentariam 5 atletas da equipe adversária. A equipe que vencesse 3 combates passaria para a próxima fase.
A ordem em que os atletas iriam lutar era pré-definida, não podendo ser mudada após ser apresentada. Por isso, fazia parte da estratégia montar a ordem de participação dos atletas tentando prever qual seria a sequência da equipe adversária, de modo a maximizar os resultados da própria equipe e anular os esforços da equipe adversária, garantindo que ao menos 3 atletas vencessem suas lutas e a equipe se classificasse.
Em meu segundo ano de faculdade, fui nomeado o capitão da equipe, com a incumbência de em cada confronto, definir a ordem dos atletas. Quando sabíamos que nossa equipe era mais forte, colocávamos os menos graduados para lutar primeiro, e pegarem ritmo e confiança para os confrontos decisivos. Já contra outras equipes favoritas ao título, a estratégia era colocar pelo menos dois atletas mais graduados nas 3 primeiras lutas, evitando assim a desclassificação prematura.
A diferença desse tipo de competição para um torneio individual é que nesse último caso, um judoca sempre gosta de testar suas habilidades contra os melhores adversários. No caso do torneio por equipes, o que importa é o resultado do grupo.
Então, montava nossa sequência, tentando adivinhar qual seria a da equipe adversária, de uma maneira em que nossos atletas menos experientes enfrentassem os oponentes mais fortes. Assim, tínhamos uma chance maior de que nossos oponentes fossem obrigados a gastar seus melhores recursos contra os nossos atletas mais inexperientes. E garantíamos que nossos atletas mais fortes enfrentassem oponentes teoricamente mais fracos, evitando, antes da final, um confronto entre os melhores de cada equipe, onde o resultado era mais imprevisível, dada a própria natureza do esporte.
O que importava era o resultado da equipe. Seriamos campeões juntos. Ou perderíamos, também juntos. Não havia medalhas individuais.
Mas o papel da liderança ia além de tentar antecipar as situações. O líder, neste caso o capitão, deve preparar, unir, tranquilizar e motivar a equipe. Costumava deixar os momentos de maior responsabilidade para mim e outros com maior experiência, liberando os mais novos do peso de ter que vencer, permitindo que eles tivessem performances melhores, lutando de forma mais natural.
Por ser um dos mais graduados e experientes da equipe, porém não o mais pesado, que também é um diferencial nesse esporte, costumava me colocar nas posições de maior responsabilidade, como o primeiro ou último lutador. Assim, ficáva com a responsabilidade de ganhar a primeira luta, aumentando a motivação da equipe. Ou a última e eventualmente decisiva luta, que poderia decidir nosso resultado na competição.
Durante meu período de faculdade, dos 4 campeonatos que disputei, fomos campeões em 3. Coincidência ou não, na única luta que perdi nestes 4 anos de competição foi o confronto em que fomos desclassificados na semifinal, com as derrotas da equipe nas lutas que sucederam à minha própria derrota.
Minha dedicação ao Judô me trouxe oportunidades além da formação de caráter propriamente dita. A primeira foi morar no Japão, treinando e estudando em uma universidade de ponta, que preferi recusar, a segunda foi uma bolsa de estudo que me ajudou financeiramente no meu segundo curso de graduação, Ciências Contábeis, em que eu teria de treinar e lutar nos campeonatos representando a universidade. Ganhei diversos campeonatos, assim como perdi outros. Os troféus e medalhas que trouxe dessas competições não são poucos.
Analisando esses prêmios, posso dizer que as vitórias das quais me orgulho não são aquelas em que levei para casa o troféu mais bonito, um símbolo material e tangível, mas aquelas em que enfrentei adversários difíceis, que exigiram tudo de mim. |
Os conceitos do Judô, quando aplicados na vida, criam padrões de comportamento que unem os lutadores, e são facilmente reconhecidos pelos praticantes dessa arte marcial. Foi o que aconteceu, quando conheci Rafael Yasoshima, na época, diretor comercial da Reuters, no meu primeiro dia de trabalho nessa empresa. Nos demos bem logo de início, e ele se tornou um super parceiro no trabalho e na vida. Saíamos com nossas famílias e treinamos Judô juntos. Mantendo contato até hoje.
Surfe
Já o Surfe é um esporte radical. Exige equilíbrio, força, atenção e, muitas vezes, coragem diante das adversidades da natureza. O surfista precisa de muita dedicação e preparo físico. Mas também inteligência, intuição e bom senso, para decidir em questão de segundos a linha de ação que tomará, e definirá o que vai acontecer. O surfista supera desafios, encontra alternativas e enfrenta adversidades para poder viver experiências maravilhosas. A prática deste esporte me possibilitou conhecer locais maravilhosos no Brasil, Chile, Peru, Equador, Costa Rica, El Salvador, Nicarágua, República Dominicana, México e Indonésia.
Certa vez após um evento do mercado financeiro que fui pela Reuters, em Lima no Peru, país conhecido pela boa qualidade das ondas, resolvi ficar no final de semana para surfar. Considerando que cada praia é um lugar único onde as condições podem mudar a qualquer momento, contratei um surfista local para me levar e me acompanhar durante a prática do esporte. Em um final de tarde o surfista local não pode me acompanhar e julguei que com as instruções que tinha e minha experiência no esporte, não teria maiores problemas em surfar no local chamado Punta Rocas.
O hotel chamou um moto taxi que me levou até a praia e me buscaria em 2 horas. Naquele dia, o mar estava grande e eu não havia encontrado ninguém para me dar dicas de segurança do local. Cheguei no outside (local após última arrebentação) depois de remar muito e peguei uma das melhores ondas da minha vida, uma onda grande, abrindo para o lado esquerdo. O momento teria sido mágico, se não fosse pelo fato desconhecido por mim até então, de que neste local e naquelas condições, não é recomendado pegar ondas para a esquerda, pois terminava em um ponto com muitas pedras, onde a arrebentação é constante, impossibilitando que se volte para o outside e dificilmente, alguém consegue remar para a direita, para voltar à praia, por conta da correnteza.
Foi uma luta insana adentrando o anoitecer com a correnteza me levando lateralmente e que distanciava da costa devido ao relevo. Após um grande esforço físico e mental consegui chegar a uma praia distante do ponto inicial e em seguida fui transportado até o meu hotel onde já havia uma grande apreensão por já me considerarem perdido no mar.
Esse episódio me ensinou muito. Por mais que alguém se sinta confortável com sua experiência, conhecimento e habilidade, nunca se deve subestimar as adversidades. Quanto mais informação possuir, menor o risco.
No mundo dos negócios o excesso de confiança pode levar a grandes desastres, ocasionando pela falta de atenção aos detalhes e exposição a riscos. |
A lista de líderes executivos e empresariais brasileiros que são surfistas é enorme. Um artigo que reflete a importância dos aprendizados deste esporte para a vida, “Dois Surfistas”, foi escrito por Nizan Guanaes[5], e publicado no Jornal Folha de São Paulo em 2015; no artigo, Nizan fala de uma lista das cem pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista norte-americana “Time”, e cita dois brasileiros: O campeão mundial de surfe, Gabriel Medina[6] e o megaempresário, e ex-surfista, Jorge Paulo Lemann[7].
No artigo, Nizan faz um link entre a vida de surfista e o ambiente de negócios no Brasil.
“Surfamos ondas de oportunidades ou enfrentamos marés brabas que desabam sobre nós. E a cada decisão, somos lembrados que, como nas decisões que um surfista toma, o excesso de coragem pode ser fatal, mas o excesso de medo, também.” |
No surfe, adquirimos ensinamentos para nossa vida pessoal e profissional. Diante de surpresas, usamos de criatividade e testamos novas abordagens em manobras para manter a estabilidade e não cair.
Hobbies unem as pessoas, durante meus tempos de Reuters, tive a oportunidade de praticar esportes com meus companheiros de empresa, colegas e clientes. Foram diversos jogos de tênis com Ricardo Diniz[8], Rafael Yasoshima, Marco Carmo[9] (Head de Tecnologia) e Bernardo Brandão[10] (Head de Marketing), em que, além da diversão, aprofundamos a união da equipe. Também tive bastante interação com clientes, que muitas vezes se tornaram amigos de vida, jogando Tênis, Golfe e Squash.
A Copa do Barão, em alusão ao Barão Julius Reuters, fundador da Reuters, era outra oportunidade de estimular o team work entre as diversas áreas da empresa através dos esportes. Este campeonato, começava no final de uma tarde e se estendia até altas horas com um divertido churrasco. Fiz parte do comitê do evento juntamente com outras pessoas de varias equipes, entre elas, Amanda Viana[11], do Marketing. A equipe masculina de Vendas/Treinamento, que tive o prazer de liderar por 5 campeonatos, foi campeã em todos os eventos, exceto em um, onde fui o protagonista da derrota, com um pênalti defendido pelo goleiro na disputa por pênaltis na semifinal.
Mas o mais importante deste evento era a confraternização final, com cerveja e churrasco, momento ímpar na integração dos membros da família Reuters.
Os esportes, assim como outros hobbies, são fundamentais em nossas vidas, servindo como base de conhecimento, experiência, válvula de escape e importante ócio produtivo, no qual limpamos a mente e conseguimos liberar as grandes ideias. |
Trabalho
Esse terceiro fundamento vem das experiências profissionais, que não devem sobrepor aos outros fundamentos, mas sim agregar no ajuste do conjunto.
A frase atribuída ao pensador e filósofo chinês Confúcio:
“Escolhe um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida” – já dizia Confúcio. |
Para muitos, esta frase pode ser considerada um clichê, mas a meu ver só quem realmente encontrou satisfação na sua profissão pode entender esta frase. Isto não quer dizer que você precisa trabalhar a vida toda com a mesma coisa, porque obviamente, os seus gostos podem mudar de acordo com sua idade, condição social ou vivência. E, consequentemente, você precisará adaptar sua vida profissional a esta mudança. Mas é fundamental ter amor pelo que se faz,
No fundamento profissão, mesmo já tendo trabalhado em outras empresas antes da Reuters, considero essa minha passagem como aquela que mais contribuiu para o meu desenvolvimento. A Reuters para mim não foi apenas um trabalho, foi uma escola.
Na minha primeira conversa com Ricardo Diniz, Presidente da Reuters, a quem eu iria me reportar, senti que existia algo de diferente naquela empresa. Uma sensação de oportunidade para aprender, misturada com a de pertencer àquele grupo.
Outra motivação de me juntar ao time da Reuters foi o tamanho do desafio. Entrei com o objetivo comercial de acelerar as vendas de um produto analítico para o mercado de renda variável, que já estava disponível há algum tempo, porém sem sucesso nas vendas da licença.
O outro desafio era político, na melhor acepção dessa palavra. Ser aceito pela equipe comercial, pois o cargo era novo e mesmo eu sendo de vendas, não reportava para o diretor da área, mas direto para o Presidente da empresa. Eu teria que trabalhar em conjunto com os Account Managers (Gerentes de Contas) responsáveis pelas carteiras de clientes. Quando a oportunidade comercial estava dentro de um cliente existente, eu fazia a abordagem junto com o gerente que já atendia aquela conta. Mas quando se tratava de um novo prospect, um Account Manager seria designado para cuidar da conta após a formalização do acordo.
Tive uma boa recepção do Rafael Yasoshima, Diretor Comercial, e de sua equipe de Account Managers. Porém, eu precisava mostrar como eu poderia agregar valor ao time, porque até então a comercialização deste produto era vista como quase impossível, e até considerado uma perda de tempo.
O primeiro Account Manager que me apoiou, dedicando seu tempo a esse produto, foi o que cuidava das contas no Rio de Janeiro. E foi onde começamos a ter os primeiros resultados. Depois, tive um grande apoio de colegas que gerenciavam as principais contas de São Paulo, e de Paulo Singh[12], que cuidava das contas de governo.
Diga-se de passagem, que Ana Paula Neves[13], que posteriormente se tornou diretora de vendas, era a pessoa com quem eu menos tinha afinidade, mas era com quem eu melhor trabalhava. Esta boa sintonia de trabalho também aconteceu durante minha passagem pela Murex[14], onde tive a oportunidade de trabalhar novamente com Ana Paula. Um exemplo de que perfis diferentes que, trabalhando juntos, geram excelentes resultados.
O Reuters Knowledge, como era chamado o produto que eu era o responsável pela expansão, veio para competir com o produto da concorrência, que já estava consolidado no Brasil. O produto da Reuters, além da falta de conteúdo local, tinha um processo de atualização dos dados pouco eficiente, que dependia de equipes baseados em outros países.
Ricardo Diniz não pensou duas vezes para aprovar a ideia de ter uma pessoa local para trabalhar o conteúdo do Reuters Knowledge, a fim de torná-lo mais competitivo.
Contratamos alguns profissionais para esta função, trabalhando na equipe do Sergio Parodi, Head da equipe de conteúdo. Foi feito um trabalho de inclusão de conteúdo local e um processo de atualização mais rápido do que a do produto concorrente, que tinha uma equipe para isso na Europa, um time zone diferente. Assim. garantimos uma abrangência adequada de informações e dados atualizados, oferecidos pelo nosso produto algumas horas antes da concorrência.
Duas iniciativas estratégicas foram importantes para a consolidação do Reuters Knowledge. A primeira foi implementada com as gestoras independentes (Head Funds) no Rio de Janeiro, onde abordamos formadores de opinião para testarem o produto, e em um comparativo com o produto concorrente, convencê-los a migrar para a Reuters. Desta forma, tendo gestores conhecidos usando o nosso produto, conseguimos uma penetração importante neste mercado através das referências.
Um fato interessante é que os profissionais desta área no Rio de Janeiro, embora trabalhando em instituições diferentes, eram muito próximos entre si. Lembro-me pelo menos de duas reuniões em que citei nomes de usuários e a pessoa ligou, na minha presença, para pedir opinião sobre o produto a um deles.
Outra iniciativa de sucesso veio de um almoço com um ex-colega de trabalho e amigo, Bruce Ledesma, que na época trabalhava em uma empresa de consultoria para áreas de Relação com investidores das empresas listadas na bolsa. Naquela época, estávamos passando por um boom de IPOs (Initial public offering), e a busca por informações era essencial para o posicionamento estratégico junto aos investidores.
Neste almoço foi acordado que fecharíamos uma parceria mediante duas condições: mostrar que o Reuters Knowledge era mais completo do que o produto do concorrente, que eles recomendavam aos clientes, e também prover uma condição comercial mais atrativa.
No mundo dos negócios é importante manter relacionamentos de confiança, executando um trabalho sério, ético e com muito profissionalismo. Desta forma criamos relacionamentos sólidos e duradouros. |
Depois de várias apresentações e testes, conseguimos convencer os consultores da empresa que tínhamos um produto mais qualificado para seus clientes, e criamos um pacote, que chamávamos de Bundle, com dados em tempo real e notícias do terminal de cotações da Reuters e os dados analíticos do Reuters Knowledge por um valor atrativo, comparado com o custo de um terminal da principal concorrente dos terminais de cotação da Reuters, e do produto analítico de outro player concorrente do produto.
O sucesso na expansão do Reuters Knowledge abriu para mim diversas oportunidades dentro da Reuters. A seguir, passei por diversos cargos e funções até chegar a líder do time de soluções para a América Latina. Ficou enraizado no meu estilo de trabalho o do Ricardo Diniz, um líder nato, que conseguia fazer das mais difíceis reuniões, um ambiente agradável e leve, que unia as pessoas em busca de um objetivo comum, com um viés de team work muito forte, e que, principalmente, tinha uma resiliência e uma presença de espírito fora do comum.
Uma experiência vivida com o Ricardo Diniz que nunca esqueci, tem a ver com a resiliência. Naquela época, eu era responsável pela expansão comercial de terminais de cotação e negociação. A Reuters enfrentava diversos problemas com a conexão dos terminais devido a mudanças tecnológicas, e recebia muitas reclamações dos clientes.
Ricardo Diniz fazia questão de telefonar e visitar todos os clientes afetados pelo problema, para explicar a situação e oferecer uma solução paliativa, até que a instabilidade da conexão fosse resolvida.
Ricardo, eu e o Account Manager da conta fomos visitar uma renomada corretora de valores no segmento de mercado futuro, que estava a ponto de cancelar todos os serviços da Reuters por causa desse problema. A reunião com um dos sócios fundadores da corretora aconteceu graças ao Ricardo, que tem um das maiores e mais eficientes networks no mercado.
Reuniões envolvendo altos executivos, mesmo entre profissionais do mercado financeiro, que muitas vezes usam uma forma um pouco mais agressiva de comunicação, costumam ser regradas por uma etiqueta de negócios, permitindo uma conversa proativa, visando um acordo mútuo, que neste caso desejávamos que fosse a reversão do cancelamento da conta.
A conversa estava seguindo esse padrão, até que o diretor de tecnologia da corretora, que estava sendo muito pressionado pelos usuários dos nossos terminais de cotação, devido as constantes quedas de conexão, entrou na sala, imprimindo um tom bem mais agressivo à conversa. Ricardo, como sempre, muito sereno, esperou o diretor terminar sua fala, levantou-se da cadeira e contou uma piada. Eu fiquei paralisado, pensando nas inúmeras reações que nossos interlocutores na reunião poderiam ter a algo tão inesperado em um momento como aquele.
Já esperava pelo pior. Mas o que vi ali, nunca tinha presenciado nada parecido antes, e não presenciei desde então. A piada terminou, Ricardo sentou-se novamente e a reunião voltou aos moldes da etiqueta executiva, terminando na aceitação por parte da corretora em uma solução, até que a conexão fosse estabilizada, não só revertendo o cancelamento, como também acordando a contratação de mais dois serviços.
Analisando depois, acredito que a reação de todos à piada, com a reversão de uma situação que já era considerada perdida, aconteceu não somente por ser uma daquelas soluções vindas de quem pensa fora da caixinha, mas por vir de quem veio. De um ícone do mercado financeiro brasileiro, com uma história de vida que o faz muito querido por todos, Ricardo Diniz.
Resiliência e improvisação são ferramentas essenciais para o sucesso na vida profissional e pessoal. É fundamental acreditar no seu potencial de lidar com problemas e superar obstáculos, passando por situações adversas de forma flexível e criativa. |
A oportunidade de trabalhar com produtos e soluções da Reuters em diferentes segmentos de mercado, vencendo dificuldade de penetração dos produtos e soluções, foi muito importante para o aprimoramento da minha habilidade em gestão e vendas.
Tive a oportunidade de trabalhar em vários países da América Latina, o que consolidou meu networking na região. Conheci parceiros de trabalho que viraram amigos, como o caso do Marco Carmo, Head dos técnicos e engenheiros. Juntos, desenvolvemos estratégias e abordagem de mercado para as soluções da Reuters. Com um grupo forte e experiente de executivos, crescemos juntos na empresa e nos desenvolvemos, nos preparando para novos desafios profissionais.
Houve também outras histórias que não tenho como contar pela restrição do espaço em um capítulo, mas fiz grandes amigos que não foram citados neste texto e que fizeram parte de minha jornada na Reuters.
Minhas passagens como diretor responsável pela América Latina em outras duas empresas consolidaram meu aprendizado trabalhando com deferentes plataformas para o mercado financeiro, com processos de vendas envolvendo diversas áreas dos potenciais clientes, negociações de alto grau de complexidade e ciclos de vendas que poderiam durar mais de dois anos.
A Equação da Vida
Quando embarquei na vida profissional, minha visão de sucesso era ter um cargo executivo de respeito, coordenar muitas pessoas em minha equipe, ter o maior “networking” possível e, claro, ganhar muito dinheiro. Nenhum objetivo relacionado à família, saúde e/ou compromisso social, como se pôde ver pelo que contei até agora.
‘Life Balance’ é uma expressão muito conhecida hoje, mas não era durante boa parte da minha carreira. Talvez pela sede de chegar ao topo, eu tenha ignorado informações e dicas que poderiam ter alterado o rumo da minha história. |
Considero que minha vida profissional se iniciou quando eu tinha 9 anos, engraxando os sapatos dos meus pais. Com o dinheiro, comprei uma caixa de engraxate e todo o equipamento. Mas tarde, tive uma lojinha na frente da garagem de casa, para vender coisas que eu não usava mais. Fiz comerciais de televisão, trabalhei com minha mãe como animador de festinhas infantis, e posteriormente, na década de 1990, a assessorei na sua escola de línguas e na montagem de cursos. Na epoca da faculdade, fiz “bicos” de figurante em comerciais e novelas, trabalhando para uma agência de modelos, e dois programas de estágios, em uma agência de publicidade e depois em uma empresa do ramo de construção.
Minha carreira executiva, em empresas multinacionais, nunca me tirou da participação nos negócios da familia, além de ter me arriscado no ramo de alimentação e de negócios digitais, durante o “boom” da internet nos anos 2000.
Se por um lado, tive motivação espontânea para trabalhar desde cedo, não tive a mesma para estudar. Sempre fui um aluno mediano, que não se interessava pelos estudos, achava as aulas monótonas e tinha dificuldade para decorar as matérias. Hoje, vejo que a metodologia de ensino aplicada nas escolas na minha época não era a mais eficiente para mim, porque nunca fui bom em decorar. Já na faculdade, tive professores que baseavam o ensino em solução de problemas através de raciocínio lógico, trazendo a oportunidade de desenvolver a minha potencialidade.
A metodologia de ensino deve considerar as particularidades de cada aluno. Essa diversidade de oportunidade de ensino em nosso país é muito recente, porém utilizada em países mais desenvolvidos há muito tempo. |
Depois de passar por seis escolas diferentes e fazer dois anos de cursinho, um no último ano do colegial, entrei no curso universitário de Administração de Empresas. A escolha foi unicamente porque eu não sabia o que fazer. E não queria fazer medicina, profissão na qual meu pai teve sucesso. Olhando a retrospectiva, acho que a aversão à essa carreira, nasceu da provável facilidade que eu teria com o apoio do meu pai.
Vencido o desafio de me formar em Administração de Empesas, passei por uma transformação acadêmica. Cursei mais faculdades do que meus quatro irmãos muito estudiosos. Fui para os Estados Unidos fazer pós-graduação em Business, e cursei logo depois, a faculdade de Ciências Contáveis. Em seguida fiz um MBA em Gestão de Vendas, com extensão em uma universidade americana em Ohio.
Na vida profissional, sempre busquei conhecimento, evoluindo nas minhas posições, aumentando o escopo de meu trabalho e buscando desafios em novas organizações. Antes da Reuters, trabalhei em uma gestora de fundos de investimentos, e saindo da Reuters trabalhei como diretor da América Latina em duas empresas de software para o mercado financeiro e hoje lidero uma empresa canadense de serviços de tecnologia para o mercado financeiro, migrando recentemente da função de CEO Brasil para o desafio de CEO da América Latina.
A vontade de trabalhar e crescer, aliada a um estilo mais arrojado, me levou à posição que sempre busquei na minha carreira profissional. No entanto, o caminho trilhado não foi nada fácil. Para chegar aonde estou, tive de renunciar a muita coisa. Obviamente, essa escolha causou um desbalanceamento nos fundamentos da minha vida, e sofri com os efeitos disso.
Reduzir o peso do fundamento “trabalho” na balança da minha vida sempre foi um desafio. O interessante é que os fundamentos “família” e “saúde física e mental”, através dos esportes contribuíram para este desbalanceamento, me fazendo ser muito competitivo, e incansável na procura do que eu considerava ser o sucesso.
Para me diferenciar, sempre corri a “extra mile”, fazendo mais do que o necessário. Isto, em certos momentos da minha vida, criou um desbalanceamento muito grande, com o peso pendendo para o lado profissional.
Um catalizador desse processo foi o primeiro BlackBerry que ganhei nos meus tempos de Reuters. Poder estar conectado com o trabalho a qualquer hora do dia e em qualquer lugar foi uma revolução na época. Uma brincadeira que costumava ouvir era que eu dormia com o aparelho ligado na função “vibra”, para poder responder mensagens assim que chegassem.
Porém, não considero minha passagem pela Reuters como a época mais desbalanceada da minha vida, mesmo que tenha exercido função na América Latina por alguns anos, conseguia manter o equilíbrio dos fundamentos da vida. Mesmo porque a cultura da empresa, guiada por Ricardo Diniz e Margaret Marras[15] (diretora de RH) era forte no quesito life balance.
Quanto mais eu evoluía para o que eu acreditava ser o sucesso, mais desbalanceada ficava a minha vida. O período em que senti isso com maior intensidade foi em minhas passagens pelas empresas de software, onde exerci funções diretivas regionais. Os dias de trabalho eram longos, e se tornavam ainda maiores pelas diferenças de time zone entre a própria América Latina, e entre os países aos quais eu me reportava, na América do Norte e Europa. Paris poderia estar até 5 horas a frente, e o México até 3 horas atrás no fuso-horário em relação a São Paulo, fazendo o meu dia se iniciar muito cedo ou terminar muito tarde. Quando eu estava no México, meu horário chegou a ter diferença de até 8 horas em relação à onde ficava o restante da diretoria executiva das empresas, assim como outras áreas de suporte.
Minha agenda era aberta para marcarem reuniões que poderiam acontecer em qualquer país. Eu não tinha gerência sobre o meu horário de trabalho. Viagens internacionais eram bastante comuns, sendo que algumas vezes, ficava quase um mês fora de casa. Cheguei a ir de São Paulo a Quito, no Equador, duas vezes somente para almoçar com executivos de um grande banco local, passando mais tempo no aeroporto e no avião do que no próprio país.
Viajar na classe executiva e ficar em hotéis de luxo, assim como os programas de fidelização das companhias aéreas e hotéis ajudavam a compensar parcialmente o impacto dessa vida insana, já que eu conseguia me locomover e dormir de forma mais confortável, sem pegar filas em aeroportos e hotéis. Eu podia escolher, por exemplo, se seria o primeiro ou o último a entrar na aeronave. Caso preferisse ser o último, ficava na sala vip, trabalhando com acesso à internet, até uma pessoa da companhia aérea vir me acompanhar até a aeronave, que decolaria poucos minutos depois do meu embarque. Também tinha preferência de assento na aeronave, sempre a poltrona mais perto da porta de saída e uma certa flexibilidade na mala de mão, para não perder tempo no desembarque, ou despachando malas. Nos meus aniversários as companhias aéreas me presentavam e esporadicamente ganhava viagens com acompanhante. Uma dessas foi para assistir à Copa América no Chile, com ingressos, hotel e passagem na classe executiva inclusos.
Porém em um determinado momento comecei a ter sentimentos contraditórios quanto a isso. Sempre que recebia um presente de um programa de fidelidade, a primeira sensação era de agradecimento por minha lealdade aos programas de fidelização, claro, mas logo vinha uma tristeza, pois sabia que as mesmas escolhas que me levavam a estes benefícios, prejudicavam outros aspectos da minha vida, que na epoca estava desbalanceada.
Algumas das vantagens de uma vida executiva de sucesso haviam perdido o valor para mim há algum tempo. O tempo com meus familiares e amigos era escasso e o pouco do tempo livre, dedicava às minhas filhas e parentes próximos e minha saúde não estava indo bem, estava com 10kg acima do peso ideal, e meu clínico geral, que fazia meu checkup anual, receitou um remédio para pré-diabéticos. Perguntei se não havia outra forma de prevenir o diabetes, já que evito tomar remédios, e ele respondeu que a única maneira seria mudar minha alimentação e me exercitar corretamente. Uma grande ironia para alguém que valorizava tanto os esportes.
Nunca cheguei a tomar aquele remédio. Fui à uma nutróloga e contratei um personal trainer, mudando radicalmente a minha alimentação e voltando a praticar esportes de maneira recorrente.
Abandonei a vida de executivo de multinacional em 2017, dedicando-me aos negócios da família, como uma forma de balancear os fundamentos da minha vida que estavam em desequilíbrio, me reaproximei dos meus familiares e cuidei do meu bem-estar. Infelizmente, para o meu casamento já era muito tarde para reverter a situação.
As mudanças de carreira e da vida pessoal me trouxeram ganhos que considero de muito valor para a minha nova definição de sucesso: Tempo e Liberdade. |
Depois do meu divórcio, nunca estive tão próximo às minhas filhas, pais, irmãos, primos e tios. Meu ritmo de viagens diminuiu e não preciso mais estar conectado o tempo todo, responder e-mails ou entrar em conferências telefônicas enquanto estou aproveitando os momentos com minhas filhas e família. Criei hobbies como a leitura e a culinária, mantendo os esportes numa frequência saudável. Consegui concentrar-me mais e usufruir melhor dos meus momentos de lazer.
O livro Way of the Peaceful Warrior[16] (O caminho do Guerreiro Pacífico), de Dan Millman, foi importante para o balanceamento na minha vida, com os ensinamentos de:
Tirar o “lixo mental” que nos distrai e manter o foco no agora. E que metas e sonhos são importantes para nos motivar, mas precisamos lembrar que o resultado não deve ser o único foco. |
Recentemente, publiquei um artigo, “Cuidando da saúde mental de seus funcionários pós-Covid” sobre minha experiência em burnout e stress. Neste artigo reforço a importância de as empresas reverem suas práticas para garantir o bem-estar de seus colaboradores.
O que é o SUCESSO?
Se eu soubesse há 25 anos, quando comecei a trabalhar como estagiário de uma empresa de propaganda e marketing, o que realmente é o sucesso, muito provavelmente meu caminho seria diferente, porém provavelmente o resultado seria muito parecido.
A primeira coisa que precisamos considerar é que o sucesso não está ligado somente à parte profissional e sim a algo mais abrangente, que inclui amigos, família, comunidade e bem-estar. De nada adianta ser um executivo ou empresário que acumulou fortuna, possuir um número expressivo de pessoas dentro da sua linha de reporte e um networking gigantesco, se não puder contribuir com o próximo, ter amigos verdadeiros, um companheiro ou companheira ao seu lado, momentos maravilhosos curtidos com seus pais, filhos, irmãos e amigos, e principalmente, ter saúde suficiente para aproveitar tudo o que conquistou.
Na Balança da Vida, não podemos deixar nenhum dos fatores fundamentais para o sucesso pesar muito mais do que os outros, mas procurar o equilíbrio entre trabalho, família e saúde. Esse é o grande desafio da vida, e o que trará a sensação de conquista e, consequentemente, a Felicidade.
E tudo isso tem muito mais valor quando contamos com o apoio de uma torcida formada por amigos, familiares, e às vezes, até mesmo seus oponentes, com quem forjamos laços de respeito mútuo. Tudo isso contribui para a sua saúde física e mental, deixando um legado que será seguido por outros, que acompanharam ou participaram da sua trajetória, e que se tornaram uma outra forma de vitória.
Hoje, digo que o Sucesso é:
Deixar um legado na vida profissional, pessoal institucional e comunitária. Acumular recursos financeiros suficiente para alcançar sonhos, ter tempo para fazer o que gosta, liberdade para estar em qualquer localidade, criar relacionamentos verdadeiros com quem quer por perto, principalmente com a família. Mas igualmente importante é ter saúde para aproveitar a vida com quem você ama. |
O que é o SUCESSO para você hoje? O que era o SUCESSO ontem? Faça essa reflexão com sinceridade, para poder determinar o SUCESSO de amanhã.
Cesar Cotait Kara José é formado em Administração de Empresas pela Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Ciências Contábeis pela Universidade Paulista, com pós-graduação em Business Management pela University of California San Diego (UCSD) e com MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com extensão na Ohio University. Iniciou sua carreira executiva no mercado financeiro e teve passagens por empresas multinacionais de tecnologia para o mercado de capitais como Thomson Financial, Reuters, Misys e Murex. Hoje é CEO para a América Latina e membro do comitê executivo global da empresa canadense de serviços de tecnologia CPQi.
[1] Ricardo Diniz é coautor deste livro e autor dos capítulos “Olhando para trás com orgulho”, “Da água para o vinho” e “Humildade e perseverança, sempre”.
[2] The Last Link, Greg Crawford, 2007
[3] A Arte da Guerra, Sun Tzu, 2008
[4] Rajiv Sainani é coautor deste livro e autor do capítulo “Quando sua família importa, e muito!”.
[5] Nizan Guanaes integra este livro em uma participação especial
[6] Gabriel Medina Pinto Ferreira é um surfista profissional brasileiro de ascendência chilena. Mais conhecido por ser o tri-campeão mundial de surf da ASP World Tour de 2014, 2018 e 2021, sendo o primeiro brasileiro a vencer um mundial de Surf.
[7] Jorge Paulo Lemann é um economista e empresário brasileiro
[8] Ricardo Diniz é coautor deste livro e autor dos capítulos “Olhando para trás com orgulho”, “Da água para o vinho” e “Humildade e perseverança, sempre”.
[9] Marco Carmo é coautor deste livro e autor do capítulo: “Ressurgindo das Cinzas”
[10] Bernardo Brandão é coautor deste livro e autor do capítulo: “Noticias, Marketing e Engraxates”
[11] Amanda Viana é coautora deste livro e autora do Capítulo:”Liçoes de uma menor aprendiz”
[12] Paulo Singh é coautor deste livro e autor dos capítulos: “O Daltonismo da Autoridade Monetária”, “Com a palavra, o Senador!”, “Ride to Survive”, “Fui salvo pelos Brady Bonds”, “Uma muda no meio do caminho”, “Muita chuva, pouca roupa e missão cumprida!”, “Brasil Pentacampeão 2002, “Patrocínios de gente grande”, “Chiodo Scaccia Chiodo”.
[13] Ana Paula Neves é coautora deste livro e autora do capítulo: “Relacionamento é um bom remédio para dor de barriga”
[14] A Murex é uma fintech global líder em soluções de negociação, gerenciamento de risco e processamento para o mercado de capitais.
[15] Margaret Marras é coautora deste livro e autora dos capítulos: “Procusto e a Disneylândia” e “Ajuda do Além”.
[16] O Caminho do Guerreiro Pacífico (Way of the Peaceful Warrior), Dan Millman, 1980